Xerazade inventou a arte do conto que não termina.
Carlos Drummond de Andrade
Para
Miguel Drummond e Pedro Rollemberg,
meu pequenos príncipes e
Alice, Eloísa e Beatriz, minhas princesas
Primeira lenda: À espera da aurora
Houve um tempo em que chovia todos os dias. A mesma hora, caía uma chuva oblíqua sobre as casas e os campos, e todos se alegravam. Os grãos brotavam gordos da terra, e colhia-se com fartura. Não havia pobreza e o povo cantava enquanto semeava, à espera dos frutos. Todos os dias, quando chovia, saíam as mulheres e as crianças ao ar livre para coletar a água que caía. E esperavam, encharcados, que os potes enchessem até as bordas. Bebiam, com as mãos em concha, a água fresca dos céus. Passeavam entre as árvores, tocando as flores. E viviam os dias mais alegres da estação. À noite, ninavam seus filhos até apagarem a última candeia e brilharem novamente as estrelas. O céu voltava a tilintar de luzes. E dormiam como anjos, à espera da aurora.
8/02/2015 - 22h30
First legend: Waiting for the dawn
There was a time when it rained every day. At the same time a slanting rain was falling on the houses and fields, and everyone was glad. The grain sprouted fat from the earth, and it was harvested in abundance. There was no poverty and the people sang as they sowed, waiting for the fruits. Every day, when it rained, the women and children went outside to collect the water that fell. And they waited, soaking wet, for the pots to fill to the brim. They drank, with cupped hands, the cool water of the heavens. They walked among the trees, touching the flowers. And they lived the happiest days of the season. At night, they rocked their children until the last lamp was extinguished and the stars shone again. The sky was tinkling with lights again. And they slept like angels, waiting for the dawn.
Feb. 8, 2015 - 10:30 p.m.
Segunda lenda: Os livros dos sonhos
Havia uma mulher que morava sozinha em sua casa. Vivia ali desde que nascera, e nunca fora a nenhuma parte além do seu jardim. Seu pai e sua mãe morreram cedo e os antigos servos continuaram a servi-la. Vivia para si e para seus livros, e escrevia todos os dias. Lia pela manhã e, à tarde, escrevia. Sobre o que escrevia essa mulher? Nunca vira nenhuma paisagem senão a da sua janela, jamais visitara outra cidade senão a sua. Quando menina, sua mãe lhe contava histórias. E sonhava com elas quando dormia. Em seus sonhos, viajava para países distantes que seus olhos nunca viram. À noite, acendia a lamparina e lia o que havia escrito de dia. E guardava-o num baú com suas outras histórias. Ela escrevia seus sonhos e suas viagens noturnas. Seus servos lhe traziam todo dia mais livros. E todo dia se punha a ler sobre lugares e pessoas que não conhecia. Mas falava deles como se os conhecesse. E a cada um dava um nome. Em sua casa de sonhos, vivia povoada de gente que toda noite vinha visitá-la. E as histórias que contava para si mesma nasciam de sua ânsia em conhecê-las. Yasmin era seu nome. E, em seu mundo, vivia toda a humanidade.
8/02/2015 - 23h15
8/02/2015 - 23h15
Second legend: The dream books
There was a woman who lived alone in her house. She had lived there since she was born, and had never been anywhere but her garden. Her father and mother died early and the former servants continued to serve her. She lived for herself and her books, and she wrote every day. She read in the morning and in the afternoon she wrote. What was this woman writing about? She had never seen any landscape other than that from her window, she had never visited any city other than her own. As a little girl, her mother told her stories. And she dreamed of them when she slept. In her dreams, she traveled to distant countries that her eyes had never seen. At night, she would light the lamp and read what she had written during the day. And she kept it in a trunk with her other stories. She wrote down her dreams and her night travels. Her servants brought her more books every day. And every day she started reading about places and people she didn't know. But she spoke of them as if she knew them. And to each one she gave a name. In her dream house, she was populated by people who came to visit her every night. And the stories she told herself were born out of her eagerness to know them. Yasmin was her name. And in her world lived all humanity.
Feb 8, 2015 - 11:15 p.m.
Terceira lenda: A caçada dos três irmãos
Havia numa cidade três irmãos que viviam armados. O primeiro, Gazir, tinha uma espada e cobria o rosto com um lenço. O segundo, Abdul, usava um chapéu, bigodes, e tinha uma faca e uma cimitarra. O terceiro, Fadi, tinha duas longas facas e uma longa barba. Um dia, saíram à caça de gamos e coelhos para o repasto. Embrenharam-se na floresta e guiaram-se pelo cheiro dos animais. Cada um caçou um gamo e um coelho. Voltaram para casa para cozê-los em fogo brando. As mulheres, aflitas, esperavam pelo alimento. Utila, mulher de Gazir, recebeu-o com um abraço. "Que bom que trouxe comida!" E logo foi cuidar de sua parte. Amina, mulher de Abdul, sorriu e o beijou. "Estava esperando por você há horas!", disse ela, apressada. Yani, mulher de Fadi, recebeu-o de braços abertos. "Fazia tempo que o aguardava", disse, sorrindo. E pegou os animais de suas mãos. Sentaram-se os três para fumar à entrada da casa. "O que fizemos hoje?", perguntou Fadi. "Fizemos o que nos cabia fazer", respondeu Abdul. Gazir, no entanto, guardou silêncio e depois de uma longa baforada, respondeu: "Fizemos o que esperavam que fizéssemos, assim guardamos a paz em nossa casa". Os dois irmãos consentiram com o mais velho. "Uma casa com três mulheres só vive em paz, se houver comida", arrematou este. E esperaram pela ceia que iria ser servida mais tarde.
8/02/2015 - 23h35
8/02/2015 - 23h35
Third Legend: The Hunt of the Three Brothers
There were three brothers in a town who were always armed. The first, Gazir, had a sword and covered his face with a scarf. The second, Abdul, wore a hat, mustaches, and had a knife and scimitar. The third, Fadi, had two long knives and a long beard. One day they went hunting for deer and rabbits for a meal. They went deep into the forest and were guided by the scent of the animals. Each hunted a deer and a rabbit. They returned home to simmer them. The women, distressed, waited for food. Utila, Gazir's wife, welcomed him with a hug. "Glad you brought food!" And then he went to take care of part of her. Amina, Abdul's wife, smiled and kissed him. "I've been waiting for you for hours!" she said hurriedly. Yani, Fadi's wife, welcomed him with open arms. "I've been waiting for you for a long time," she said, smiling. And she took the animals from his hands. The three of them sat down to smoke at the entrance to the house. "What did we do today?" Fadi asked. "We did what we were supposed to do," Abdul replied. Gazir, however, remained silent and after a long breath, replied: "We did what they expected us to do, so we keep the peace in our house." The two brothers consented with the eldest. "A house with three women can only live in peace if there is food", concluded this one. And they waited for the supper that was to be served later.
Feb 8, 2015 - 11:35 p.m.
Quarta lenda: O Príncipe das Doze Luas Cheias
Havia um príncipe que vivia num palácio cercado por muros muito altos. Todo dia, ele soltava seu falcão para que lhe trouxesse notícias de um reino distante. O falcão voava por um dia e voltava. Trazia amarrado a uma das patas um pequeno rolo com um poema de sua amada ao qual ele respondia imediatamente. E tornava a soltar o pássaro para que levasse sua resposta. Quando ele viria vê-la, ela perguntava. Assim que ele completasse vinte e um anos, ele respondia. Quantas luas devo esperar até esse dia, tornava a princesa. Não muitas luas, meu amor. Doze luas devemos esperar, ele escreveu. Doze luas cheias. E os meses se passaram, até o dia em que o príncipe viajou para encontrar a princesa. Assim que o viu apontar no horizonte, a princesa desceu as escadas do palácio e postou-se à entrada do salão principal. Vieram todos os membros da corte para receber o príncipe. Veio o sultão e a sultana, o grão-vizir e o adivinho. E começaram todos a dizer o que achavam do príncipe que se aproximava. É um belo homem, dizia um. É um nobre, dizia outro. É merecedor de nossa princesa, dizia o sultão. E, ao entrar no palácio, não havia casal mais feliz. Todas as luas que haviam esperado se cumpriram. E o príncipe desposou a princesa por havê-la escolhido. E ela escolhido a ele. E ele se tornou conhecido como o Príncipe das Doze Luas Cheias.
8/02/2015 - 23h58
8/02/2015 - 23h58
Fourth Legend: The Prince of the Twelve Full Moons
There was a prince who lived in a palace surrounded by very high walls. Every day he released his hawk to bring him news from a faraway realm. The hawk would fly for a day and come back. He had, tied to one of his paws, a small scroll with a poem by his beloved to which he immediately responded. And he released the bird again so that he could take his answer. When would he come to see her, she asked. As soon as he turned twenty-one, he would respond. How many moons must I wait until that day, he made the princess. Not many moons, my love. Twelve moons must we wait, he wrote. Twelve full moons. And the months passed, until the day the prince traveled to meet the princess. As soon as she saw him point on the horizon, the princess descended the palace stairs and stood at the entrance to the main hall. All the members of the court came to receive the prince. Came the sultan and the sultana, the grand vizier and the soothsayer. And they all began to say what they thought of the approaching prince. He's a handsome man, said one. He is a nobleman, said another. He is worthy of our princess, said the sultan. And upon entering the palace, there was no happier couple. All the moons they had waited for were fulfilled. And the prince married the princess because he had chosen her. And she chose him. And he became known as the Prince of the Twelve Full Moons.
Feb 8, 2015 - 11:58 p.m.
Quinta lenda: A viagem de Fadul
Havia uma cidade à beira do Tigre, cujas noites eram tão longas quanto os dias. O céu cobria as noites quentes pontilhado de estrelas e era de um azul intenso durante o dia estendendo-se até as montanhas mais a oeste. Bagdá ficava a uma curta distância e os mercadores iam e vinham trazendo e levando mercadorias, encomendas e cartas. Um deles trazia um rolo de pergaminho com uma mensagem para Fadul. Sua filha Yami pedia que viesse visitar o neto que nascera bonito e saudável havia poucas semanas. Chamava-se Farid. Fadul apressou-se em fechar a sapataria e arrumar uma trouxa de roupa. Pensou que presente deveria levar para seu primeiro neto. "Um chocalho", ele disse. "Assim ele poderá brincar no berço". E, determinado, pôs-se a caminho. Na estrada viu homens, mulheres e crianças passando em lombo de burros. "Que destino terão eles? Será que vão visitar alguém da família como eu?" Fadul sentiu-se cansado e resolveu parar numa estalagem. "Yami não se importará se eu chegar amanhã", imaginou. Deitou-se e dormiu um profundo sono. Em sonhos, um anjo lhe apareceu dizendo que não terminaria a viagem. Que não chegaria para ver o neto Farid. "Isso não é possível, por que não posso terminar a viagem, se falta tão pouco para chegar?" O anjo lhe respondeu: "Há missões que ficam incompletas. A sua não terminará". Como estava deitado, continuou dormindo, e Alá o abraçou, sem despertá-lo do seu sono.
9/02/2015 - 11h00
Fifth Legend: Fadul's Journey
There was a city by the Tigris, whose nights were as long as the days. The sky covered the hot nights, dotted with stars and was an intense blue during the day, stretching all the way to the mountains further west. Baghdad was within walking distance and merchants came and went bringing and carrying goods, parcels and letters. One of them carried a roll of parchment with a message for Fadul. Her daughter Yami asked her to come visit her grandson who had been born beautiful and healthy a few weeks ago. His name was Farid. Fadul hurried to close the shoe store and pack a bundle of clothes. He thought what gift he should get for his first grandchild. "A rattle," he said. "So he can play in the crib." And, determined, he set out. On the road he saw men, women and children passing on donkeys. "What fate will they have? Will they visit a family member like me?" Fadul felt tired and decided to stop at an inn. "Yami won't mind if I arrive tomorrow," he imagined. He lay down and slept a deep sleep. In dreams, an angel appeared to him telling him that he would not finish the journey. That he wouldn't come to see his grandson Farid. "That's not possible, why can't I finish the trip, if it's so short to arrive?" The angel answered him: "There are missions that are incomplete. Yours will not end". As he was lying down, he continued sleeping, and Allah embraced him, without awakening him from his sleep.
02/9/2015 - 11:00 am
Sexta lenda: As três árvores
Havia um reino muito distante, onde viviam três príncipes que esperavam três esposas para se casarem no mesmo dia. Celebrariam as bodas com toda a pompa e circunstância, e o povo rejubilaria. Mas nem o rei, nem a rainha conseguiam encontrar princesas em outros reinos para que eles se casassem. Então pensaram num modo de trazer três donzelas para seus três filhos. O grão-vizir e o adivinho esgotaram todas as formas de diplomacia e adivinhação para descobrir seu paradeiro. Todas deveriam ter qualidades insuperáveis, serem dóceis e educadas, elegantes e refinadas. Buscaram em toda parte, em vão. Até que, certa manhã, chegou ao reino uma caravana de cem camelos, trazendo um cortejo de três princesas belíssimas. Vinham de muito longe, de um país além do Ganges. Haviam feito uma longa viagem para atender ao chamado do grão-vizir. A rainha não cabia em si de contentamento. O rei mandou preparar o banquete de casamento. O grão-vizir foi baixar os decretos cabíveis. O adivinho incensou o palácio para atrair bons fluidos. As princesas desceram de suas liteiras em trajes deslumbrantes e encaminharam-se para o harém para se preparar para a festa. Nesse momento, caiu um temporal. Apagaram-se todas as tochas sopradas pelo vento, que revirou as cortinas e véus do palácio. Os príncipes, antes fascinados pelo encanto das donzelas, arrepiaram-se de medo. O que queria dizer tal mau augúrio? Não eram as noivas prometidas? Não haviam vindo de longe para desposá-los? As trevas caíram sobre o palácio e a terra tremeu. E o que fora um dia um belo reino, sucumbiu nas areias do deserto, levado pela tormenta que se abateu por três dias e três noites. Doze anos depois, surgiram três árvores repletas de flores rosa, carmim e amarela, que tremulam abraçadas sobre um oásis de onde jorra uma fonte permanente.
9/02/2015 - 21h35
Sixth Legend: The Three Trees
There was a kingdom far away, where three princes lived who expected three wives to marry on the same day. They would celebrate the wedding with all pomp and circumstance, and the people would rejoice. But neither the king nor the queen could find princesses in other kingdoms for them to marry. So they thought of a way to bring three maidens for their three sons. The grand vizier and the soothsayer exhausted all forms of diplomacy and divination to discover his whereabouts. All should have unsurpassed qualities, be docile and polite, elegant and refined. They searched everywhere, in vain. Until, one morning, a caravan of one hundred camels arrived in the kingdom, bringing a procession of three beautiful princesses. They came from far away, from a country beyond the Ganges. They had come a long way to answer the grand vizier's call. The queen could not contain herself with contentment. The king had the wedding feast prepared. The grand vizier went to issue the appropriate decrees. The soothsayer incensed the palace to attract good fluids. The princesses descended from their litters in dazzling attire and made their way to the harem to prepare for the feast. At that moment, a storm hit. All the torches blown by the wind, which tore the curtains and veils of the palace, were extinguished. The princes, once fascinated by the enchantment of the maidens, shivered with fear. What did such a bad omen mean? Weren't the brides betrothed? Had they not come from afar to marry them? Darkness fell over the palace and the earth shook. And what was once a beautiful kingdom, succumbed in the sands of the desert, carried away by the storm that raged for three days and three nights. Twelve years later, three trees appeared, full of pink, crimson and yellow flowers, which flutter hugged over an oasis from which a permanent fountain gushes.
Feb. 9, 2015 - 9:35 p.m.
Sétima lenda: A cidade nas nuvens
Havia, há muito tempo, uma cidade sobre a montanha envolta nas nuvens. Todos os habitantes acordavam pela manhã e viam a neblina lá fora e esperavam que se dissipasse. Aí começavam os afazeres do dia. Ordenhar as vacas, alimentar os porcos, coletar os ovos, adubar a terra, colher os frutos. Depois do meio-dia, o sol começava a se cobrir novamente, quando todos se recolhiam para a sesta. As crianças deixavam seus brinquedos. Os velhos reclinavam suas cabeças. E os homens e mulheres retornavam ao leito. A tarde começava a esfriar sobre a montanha quando começavam a despertar. Na cidade, havia uma mulher, Aziza, que tinha muitos pássaros. Alimentava-os diariamente ao amanhecer. E, à tarde, dava-lhes água para beber e se banhar. Porém, ela não vivia feliz. Seu único filho partira e nunca mais voltara. Os anos se passaram e não tinha notícias de Abdul. Talvez tivesse se casado, talvez vivesse muito longe, talvez fosse mercador na China. Imaginou-o em viagem pelas estradas, atravessando desertos. Súbito, viu um vulto aproximando-se ao longe. Viu o porte, o andar, o modo firme de caminhar, lembrando-lhe seu marido, Aziz, que morrera há poucos anos. Pensou que a neblina turbasse seus olhos. E o homem vinha na direção de sua casa, resoluto. Viu seu rosto clarear à medida que chegava. Tinha as feições de seu filho, já adulto. Só poderia ser ele. Fechou os olhos e fez uma oração. Agradeceu o retorno de Abdul. E, num gesto repentino, libertou todos os pássaros para receber seu filho que voltava.
10/02/2015 - 00h10
Seventh Legend: The City in the Clouds
There was, long ago, a city on a mountain shrouded in clouds. All the inhabitants woke up in the morning and saw the fog outside and waited for it to dissipate. Then the day's tasks began. Milk the cows, feed the pigs, collect the eggs, fertilize the land, harvest the fruits. After noon, the sun began to cover again, when everyone retired for a siesta. The children left their toys. The old men bowed their heads. And the men and women returned to bed. The afternoon was starting to cool over the mountain as they began to wake up. In the city, there was a woman, Aziza, who had many birds. She fed them daily at dawn. And in the afternoon she gave them water to drink and bathe in. However, she was not happy. Her only son was gone and never came back. Years went by and I didn't hear from Abdul. Maybe he was married, maybe he lived far away, maybe he was a merchant in China. She imagined him traveling the roads, crossing deserts. Suddenly, he saw a figure approaching in the distance. He saw the bearing, the gait, the firm way of walking, reminding him of her husband, Aziz, who had died a few years ago. She thought the fog clouded her eyes. And the man was heading towards his house, resolute. He saw his face lighten as he arrived. He had the features of his adult son. It could only be him. He closed his eyes and said a prayer. She was grateful for Abdul's return. And, in a sudden gesture, she released all the birds to welcome her returning son.
Feb. 10, 2015 - 00:10 a.m.
Oitava lenda: O rei solitário
Há muito tempo, vivia um rei sozinho em seu palácio, apenas com seus servos e sua guarda real, sem nunca ter-se casado. Ansiava encontrar uma esposa que lhe desse filhos para legar seu reino. As estações passavam sem encontrar nenhuma princesa digna de seu trono. Todas eram ambiciosas ou fúteis, nenhuma trazia o coração dourado de mãe. O rei Abdala resolveu, então, dar um baile para todas as donzelas do reino e de todos os reinos vizinhos. Teriam a melhor comida e a melhor bebida de sua adega. Os convivas começaram a chegar bem cedo para se instalar no palácio. E uma fila de jovens se perfilou diante do rei. Olhou para todas, sem descobrir, no entanto, a expressão que procurava em seus rostos. No meio da festa, chegou uma princesa apressada, acompanhada por um pequeno séquito de núbios. Entrou sem ser anunciada e misturou-se aos convidados. Ficou num canto da sala, sem chamar a atenção. Mas o rei viu seu olhar de candura, o aspecto leve de pássaro, os braços brancos semierguidos a segurar o xale. Ao perceber que o rei a observava, enrubesceu e baixou o olhar. Nesse instante, o rei viu quem ela era. Era Budur, a Princesa das Luas Cheias, que viera do reino além das montanhas para o baile em seu palácio. Aproximou-se dela, tomou-lhe as mãos e perguntou: "Quer se casar comigo?" A princesa sorriu e respondeu que sim. O rei anunciou que encontrara sua noiva e juntos saíram numa carruagem puxada por três cavalos pelas ruas do reino. A partir desse dia, só houve encanto e alegria enquanto viveram.
10/02/2015 - 00h38
Eighth Legend: The Lonely King
A long time ago, a king lived alone in his palace, with only his servants and his royal guard, without ever having married. He longed to find a wife who would give him children to bequeath his kingdom. The seasons passed without finding any princess worthy of her throne. All were ambitious or vain, none had a mother's golden heart. King Abdallah then decided to give a ball for all the maidens in the kingdom and in all the neighboring kingdoms. They would have the best food and drink in his cellar. The guests began to arrive very early to settle in the palace. And a line of youths lined up before the king. He looked at them all, not discovering, however, the expression he was looking for on their faces. In the middle of the party, a princess hurriedly arrived, accompanied by a small entourage of Nubians. She entered unannounced and mingled with the guests. She stood in a corner of the room, not attracting attention. But the king saw her look of candor, her light birdlike appearance, her white arms half-raised holding her shawl. Realizing that the king was watching her, she blushed and lowered her gaze. In that instant, the king saw who she was. It was Budur, the Princess of the Full Moons, who had come from the realm beyond the mountains to the ball in her palace. He approached her, took her hands and asked, "Will you marry me?" The princess smiled and said yes. The king announced that he had found his bride and together they set out in a carriage drawn by three horses through the streets of the kingdom. From that day on, there was only enchantment and joy as long as they lived.
Feb. 10, 2015 - 00:38 a.m.
Nona lenda: Khaled, o filho de Abu
Havia um comerciante que vivia na antiga cidade de Nínive, à margem do Tigre, na Assíria, na rota entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, que unia o Oriente e o Ocidente. Era um homem muito rico, que vendia tapetes, joias, tecidos, jarros e cerâmicas da China. Vivia de modo próspero com seus dois filhos. Certa manhã, chegou uma mulher trazendo um bebê no colo. Ela viera de longe e pedia pouso. Os três homens se entreolharam sem saber se deveriam aceitá-la. Era muito cedo e fazia frio. Com certeza, o bebê precisava de cuidados. Khaled, o filho mais velho, tomou a iniciativa. Pediu que ela entrasse e se instalasse no quarto contíguo, onde poderia amamentar o bebê. Abu, o pai, consentiu. Ahmed, o irmão mais novo, ficou desconfiado. Achou que seria perigoso albergá-la. Mas Khaled o convenceu de que ela poderia ficar alguns dias. Decerto estava procurando pelo pai da criança. E perguntaram-lhe de onde vinha. Aminda respondeu que perdera tudo num naufrágio. Que salvara o filho de afogar-se no rio. E que não tinha para onde ir. Procurava o marido que deveria estar ali. Perguntaram seu nome e ela lhes disse que era Amim, o homem de confiança do rei. Surpresos com essa informação, prontificaram-se a chamá-lo, pois certamente não sabia de seu paradeiro. Foram até o palácio para encontrá-lo. Quando soube que a mulher estava na cidade, pediu para trazerem Aminda e o filho, para ficarem com ele. E agradeceu aos irmãos a gentileza por tê-la recebido. Khaled encarregou-se de levá-la, mas quando voltaram para casa, Aminda havia sumido com o bebê. No leito, deixara um bilhete: "Agradeço a Alá o pouso que me deram, mas não poderei rever meu marido. Ele me abandonou e vim descobrir aonde estava. Agora que o encontraram, digam que nunca mais me verá". Khaled, inconformado, resolveu procurá-la e encontrou Aminda caminhando de volta pela estrada. "Por que veio, para depois ir embora?" Ela não conteve as lágrimas e disse: "Depois que cheguei à sua casa, descobri que vivia ao lado do homem errado e decidi que não queria mais vê-lo. Foi um erro procurá-lo". Khaled, tocado por suas palavras, disse: "Então, fique conosco, já que encontrou o lugar que vinha procurando". Ele a abraçou e caminharam de volta para a cidade.
12/02/2015 - 12h16
Ninth legend: Khaled, the son of Abu
There was a merchant who lived in the ancient city of Nineveh, on the bank of the Tigris, in Assyria, on the route between the Mediterranean and the Indian Ocean, which united East and West. He was a very wealthy man who sold rugs, jewelry, fabrics, jars and ceramics from China. He lived prosperously with his two children. One morning, a woman arrived with a baby in her arms. She had come from afar and was asking for a landing. The three men looked at each other not knowing if they should accept it. It was very early and cold. Sure enough, the baby needed care. Khaled, the eldest son, took the initiative. He asked her to come in and settle in the adjoining room where he could nurse the baby. Abu the father consented. Ahmed, the younger brother, was suspicious. He thought it would be dangerous to house her. But Khaled convinced him that she could stay for a few days. Surely he was looking for the child's father. And they asked him where he came from. Aminda replied that she had lost everything in a shipwreck. She said she had saved her son from drowning in the river. And that she had nowhere to go. She was looking for the husband she should be there for. They asked her name and she told them that she was Amin, the king's trusted man. Surprised by this information, they were ready to call him, as he certainly did not know his whereabouts. They went to the palace to find him. When he heard that the woman was in town, he asked them to bring Aminda and her son to stay with him. And he thanked the brothers for their kindness in having received her. Khaled took it upon himself to take her, but when they returned home, Aminda was gone with the baby. In bed, she had left a note: "I thank Allah for resting me, but I won't be able to see my husband again. He abandoned me and I came to find out where he was. Now that you've found him, say he'll never see me again." Khaled, unhappy, decided to look for her and found Aminda walking back along the road. "Why did you come, and then leave?" She couldn't hold back tears and said, "After I arrived at your house, I found that I was living next door to the wrong man and I decided I didn't want to see him anymore. It was a mistake to go looking for him." Khaled, touched by her words, said, "Then stay with us, as you've found the place you've been looking for." He hugged her and they walked back to town.
Feb. 12, 2015 - 12:16 p.m.
Décima lenda: A escrava Kamar
Houve, há muito tempo, um califa que tinha um imenso harém. De cada lugar que visitava, trazia uma nova esposa para seu palácio. Elas se reuniam no gineceu, onde se banhavam e se preparavam para as festividades do dia, e dançavam para o califa, tentando seduzi-lo. A cada noite, ele escolhia uma, com quem se recolhia a seus aposentos. Na manhã seguinte, ela retornava ao harém. O palácio era cercado por uma grande guarda, que protegia o califa e suas mulheres. Um dia, surgiu uma escrava trazida de outro reino, após ter sido trocada por doze camelos. O califa surpreendeu-se e perguntou ao general o motivo daquela troca. O general disse que a escrava era muito talentosa, e poderia servir a suas esposas. Porém o califa viu nela traços de princesa. Não poderia ser uma escrava comum. Deveria ter vindo de outro lugar. E decidiu perguntar-lhe sobre sua origem. Chamava-se Kamar, que quer dizer lua. Ela explicou que tinha nascido num reino muito distante, entre dois rios. E os rios eram muito caudalosos. E a cada lua cheia, as águas subiam e cobriam o vale, formando uma torrente. Ela havia sido arrastada até outra cidade, onde ninguém a conhecia. Por isso foi tomada por escrava, pois não tinha mais suas roupas de princesa. Vestiram-na com trapos que encontraram no porto. E, à medida que Kamar contava sobre a família que perdera, o califa foi-se encantando por ela. "Então, não é uma escrava", concluiu. "Não pode servir às minhas esposas. Terá de ser uma delas". E mandou que a vestissem com a melhor púrpura. Quando Kamar ressurgiu belamente trajada, o califa se levantou e foi até ela. Jamais vira uma mulher tão deslumbrante. Ele lhe disse: "Minha bela Kamar. Peça o que quiser, que eu lhe darei". Ela levantou os olhos suplicantes e respondeu: "Devolva-me ao meu reino, pois meu pai e minha mãe devem estar à minha procura". O califa não hesitou. Mandou que a levassem de volta, pois não poderia manter uma princesa que não quisesse ficar com ele. "Como a lua vive no céu, toda mulher tem direito ao seu lar", disse o califa, comovido. E nunca mais trouxe uma nova esposa para seu harém.
12/02/2015 - 2h02
Tenth Legend: The Slave Kamar
There was a long time ago a caliph who had a huge harem. From every place he visited, he would bring a new wife to his palace. They gathered in the gynoecium, where they bathed and prepared for the day's festivities, and danced for the caliph, trying to seduce him. Each night he chose one, with whom he retired to his quarters. The next morning, she returned to the harem. The palace was surrounded by a large guard, which protected the caliph and his women. One day, there appeared a slave brought from another kingdom, after being exchanged for twelve camels. The caliph was surprised and asked the general the reason for that exchange. The general said that the slave was very talented, and could serve his wives. But the caliph saw in her features of a princess. She couldn't be an ordinary slave. She should have come from somewhere else. And he decided to ask her about her origin. Her name was Kamar, which means moon. She explained that she was born in a kingdom far away, between two rivers. And the rivers were very strong. And with each full moon, the waters rose and covered the valley, forming a torrent. She had been dragged to another city, where no one knew her. That's why she was taken for a slave, because she didn't have her princess clothes anymore. They dressed her in rags they found in the harbor. And as Kamar talked about the family he had lost, the caliph fell in love with her. "So she is not a slave," he concluded. "She cannot serve my wives. She will have to be one of them." And he ordered them to dress her in the finest purple. When Kamar emerged beautifully dressed, the caliph rose and went to her. He had never seen such a stunning woman. He said to her, "My beautiful Kamar. Ask what you want and I will give you." She raised her pleading eyes and replied, "Give me back to my kingdom, for my father and mother must be looking for me." The caliph did not hesitate. He ordered them to take her back, for he couldn't keep a princess who didn't want to be with him. "As the moon lives in the sky, every woman has a right to her home," said the caliph, moved. And he never brought a new wife into his harem.
Feb 12, 2015 - 2:02 a.m.
Décima primeira lenda: Aladim e a lâmpada maravilhosa
Há muito, muito tempo, vivia Aladim com sua mãe numa casa bem pobre, quando um dervixe se apresentou dizendo-se irmão de seu falecido pai. Era um mouro originário do Marrocos que procurava um rapaz para ajudá-lo a pegar uma lâmpada que aprisionava um gênio. Prometendo-lhe fortunas, conduziu Aladim até o deserto onde entraram numa caverna, onde somente o rapaz poderia pegar a pequena lâmpada de cobre e trazê-la à superfície. Com medo que descobrisse o segredo, o feiticeiro fechou Aladim na gruta e abandonou-o ali. Pensando que não encontraria uma saída, Aladim esfregou a lâmpada para acendê-la e eis que surgiu um gênio em meio a uma imensa nuvem de fumaça. "Diga o que quer, que eu o atenderei", disse o gênio. "Tire-me imediatamente daqui", disse ele. E assim se fez. Aladim entrou em casa correndo para contar à mãe o que acontecera e ela não acreditou. Precisou esfregar a lâmpada para que ela acreditasse nele. A mãe, assustada, jamais vira tanto ouro, nem tanta riqueza junta. Aladim lhe disse: "Irei ao palácio do sultão para pedir a mão da princesa Badr Al-Budur, a mais bela das luas cheias, em casamento". "Está louco? Como ele irá nos receber?" Aladim, então, fez surgirem quarenta camelos para carregar o ouro e as joias para presentear a princesa. Chegando lá, o sultão fico admirado com tanta fortuna e logo concedeu a mão da princesa a Aladim em casamento. Toda vez que precisava de mais ouro, esfregava a lâmpada, e o gênio fazia tesouros aparecerem. Com isso, convenceu o vizir, o cádi e toda corte de ser digno para desposar a princesa. No dia do casamento, pediu ao gênio que fizesse surgir um palácio mais belo ainda defronte ao palácio do sultão e fez a princesa ser conduzida por quatrocentos escravos brancos e negros, com tochas de ouro, para sua nova morada. E a lua iluminou o palácio de mármore que reluzia como uma estrela no deserto. E toda riqueza jorrava do palácio que Aladim e a princesa distribuíam entre os habitantes do reino. Depois que o sultão morreu, Aladim herdou seu trono e reinou até o final dos seus dias, com bondade e justiça.
12/02/2015 - 22h20
Eleventh Legend: Aladdin and the Wonderful Lamp
A long, long time ago, Aladdin lived with his mother in a very poor house, when a dervish came forward claiming to be his late father's brother. He was a Moor from Morocco who was looking for a boy to help him catch a lamp that imprisoned a genie. Promising him fortunes, he led Aladdin into the desert where they entered a cave, where only the boy could take the small copper lamp and bring it to the surface. Afraid that he would discover the secret, the sorcerer locked Aladdin in the cave and abandoned him there. Thinking that he would not find a way out, Aladdin rubbed the lamp to light it and behold, a genie appeared amid a huge cloud of smoke. "Say what you want, and I'll do it," said the genie. "Get me out of here immediately," he said. And so it was. Aladdin ran into the house to tell his mother what had happened and she didn't believe him. He had to rub the lamp for her to believe him. The frightened mother had never seen so much gold or so much wealth together. Aladdin told him, "I will go to the sultan's palace to ask for the hand of Princess Badr Al-Budur, the fairest of full moons, in marriage." "Are you crazy? How will he receive us?" Aladdin then raised forty camels to carry the gold and jewels to present to the princess. Arriving there, the sultan was amazed at such a fortune and soon granted the princess's hand to Aladdin in marriage. Every time he needed more gold, he would rub the lamp, and the genie would make treasures appear. With this he convinced the vizier, the qadi, and the entire court that he was worthy to marry the princess. On the wedding day, he asked the genie to build an even more beautiful palace opposite the sultan's palace, and had the princess be led by four hundred white and black slaves, with golden torches, to her new abode. And the moon lit up the marble palace that shone like a star in the desert. And all wealth flowed from the palace that Aladdin and the princess distributed among the inhabitants of the kingdom. After the sultan died, Aladdin inherited his throne and reigned until the end of his days in goodness and justice.
Feb 12, 2015 - 10:20 p.m.
Décima segunda lenda: Ali Babá e os 40 ladrões
Viviam antigamente, numa das antigas cidades da Pérsia, dois irmãos, Kassem e Ali Babá. Depois que seu pai morreu, Kassem casou-se com uma rica donzela. Ali Babá, que não tinha ambições, tornou-se lenhador e conseguiu comprar três burricos, que usava para transportar lenha e vendê-la no mercado. Certo dia, quando atravessava a floresta, ouviu um tropel de cavalos. Subiu numa árvore e de lá avistou um grupo de homens armados. Pelo seu aspecto, eram salteadores. Contou-os e eram exatamente 40 ladrões. Cada um tinha um alforje cheio na garupa e juntos aproximaram-se de um rochedo. Aquele que parecia ser o chefe, adiantou-se e gritou: "Abra-te, Sésamo!" Imediatamente a rocha se abriu, dando acesso a uma gruta. Os ladrões entraram e o chefe novamente gritou: "Fecha-te, Sésamo!" E ela se fechou. Quando mais tarde os ladrões saíram, carregando os alforjes vazios, Ali Babá desceu da árvore e foi até o rochedo e bradou: "Abra-te, Sésamo!" E a rocha se abriu. Viu uma extensa galeria que conduzia a uma sala espaçosa, iluminada por fendas no alto da rocha. Achou-se diante de tantos tesouros guardados, sacos cheios de moedas, lingotes de ouro, tapetes, tecidos finos e pedras preciosas espalhadas pelo chão, que entendeu que estavam ali há muito tempo. Ali Babá encheu três sacos com lingotes e moedas de ouro, colocou-as sobre os burricos e foi para casa. A mulher de Ali Babá achou que ele teria entrado numa quadrilha de bandidos e começou a se lamentar. Mas Ali Babá contou à mulher de onde vinha o ouro e concluiu: "É assim que Alá quis recompensar nossa pobreza honesta". Porém, a mulher de Kassem, muito invejosa, descobriu que Ali Babá havia encontrado ouro e obrigou o marido a interpelá-lo. Ali Babá, sendo bom, contou ao irmão o que sucedera e como entrar na caverna. E disse: "Somos irmãos. O que me pertence te pertence. Quero que fique com a metade do que eu trouxe da caverna". Cedo, no dia seguinte, Kassem partiu para a floresta com doze mulas, encontrou o rochedo, falou as palavras mágicas e entrou na gruta. Mas ao ver tantas riquezas lá dentro, quis ficar com tudo. Como não poderia levar todo o ouro e joias de uma vez, contentou-se em encher com moedas de ouro tantos sacos quanto suas mulas podiam carregar. Porém, para sair da caverna, esqueceu as palavras mágicas e ficou preso dentro da caverna. Por volta do meio-dia, os 40 ladrões retornaram ao rochedo e encontraram Kassem assustado e o esquartejaram, sem se preocupar como havia feito para entrar. Como o irmão não voltasse, Ali Babá ficou preocupado e foi procurá-lo na floresta. Ao abrir o rochedo, encontrou o irmão cortado em seis pedaços. Ao chegar em casa, contou o que sucedera à cunhada e mandou costurar as partes do corpo do irmão para poder enterrá-lo. Quando voltaram à gruta e não encontraram o corpo esquartejado do intruso, os ladrões chegaram à conclusão de que ele tinha um cúmplice e resolveram matá-lo. Um deles foi à cidade, e encontrou o homem que costurara as partes de Kassem, dizendo que fora levado até lá de olhos vendados. E ao receber dois dinares de ouro, decidiu levá-lo até a casa de Ali Babá. O ladrão marcou a porta da casa com giz, mas Manara, a serva da família, viu que aquela marca só poderia ter sido feita por um inimigo e resolveu marcar com um xis todas as portas das casas vizinhas. E assim não puderam assaltá-lo. Vendo que somente ele poderia resolver a questão, o chefe decidiu disfarçar-se como mercador de azeite. Mandou fazer 39 jarros de barro com largo gargalo e bojo redondo. Encheu um com azeite e mandou que os ladrões se escondessem nos outros 38. Chegou à casa de Ali Babá e pediu-lhe pouso. Ali Babá, que tinha uma cordialidade nata, ofereceu ao mercador jantar e cama, e deixou que colocasse seus jarros no pátio, enquanto os cavalos descansavam no estábulo. Naquela noite, no entanto, falou azeite na casa, e Manara resolveu pegar um pouco dos jarros. Só que, em vez de azeite, sua caneca bateu na cabeça de um ladrão, que perguntou: "Já está na hora?" Manara, muito astuta, respondeu: "Ainda não, rapaz. Deixa teu chefe descansar". Mexeu em todos os jarros e somente no último encontrou azeite. Manara, então, armou um plano. Tirou o azeite do jarro, ferveu-o e despejou-o em cada um dos 38 jarros, matando os ladrões. No meio da noite, o chefe foi chamá-los e viu que haviam sido queimados com azeite fervente. Pulou por cima do muro e fugiu. Pela manhã, Manara mostrou a Ali Babá os jarros com os ladrões queimados e este sentiu-se grato pela lealdade da serva. Mas o chefe dos ladrões não desistira. Voltou disfarçado como o mercador Hassan, abrindo uma loja ao lado da venda do filho de Ali Babá, e fez amizade com eles. Uma noite, convidaram-no para uma festa, e Manara dançou para eles com tanta graça, que encantou a todos. Fez a dança dos véus, a do lenço e a do cajado, a dança dos judeus, dos gregos, dos etíopes, dos persas e dos beduínos. Depois fez a dança ondulosa da espada, carregando um punhal que brandia no ar e depois o escondia entre os seios. De repente, saltou sobre Hassan como um felino selvagem e enterrou o punhal no coração do bandido. A primeira reação foi de espanto. Ali Babá e seu filho não compreenderam por que Manara fizera aquilo. Mas ela respondeu: "Graças a Alá que conduziu meu braço para vos salvar do chefe de vossos inimigos! Este falso comerciante Hassan é o mesmo falso mercador de azeite e o chefe dos 40 ladrões que há muito vos persegue", e arrancou a longa barba postiça com que se disfarçava. Ali Babá logo reconheceu o chefe dos ladrões que vira do alto da árvore. Comovido, abraçou Manara e pediu que se casasse com seu filho, para poder entrar na família. Sua lealdade e amor transcendiam todos os padrões conhecidos. Ali Babá esperou bastante tempo para voltar à caverna dos tesouros e constatou que nada havia sido tirado dali. Toda aquela riqueza passou a pertencer a ele, sua mulher, cunhada, filho e nora. Usou-as com moderação e viveu em paz com sua família. Assim Alá transformou um simples lenhador que possuía três burros no homem mais rico e respeitado da cidade.
14/02/2015 - 19h30
Twelfth Legend: Ali Baba and the Forty Thieves
In ancient times, two brothers, Kassem and Ali Baba, lived in one of the ancient cities of Persia. After his father died, Kassem married a rich maiden. Ali Baba, who had no ambitions, became a woodcutter and managed to buy three donkeys, which he used to transport firewood and sell it in the market. One day, as he was walking through the forest, he heard a stampede of horses. He climbed a tree and from there he saw a group of armed men. From the look of them, they were robbers. He counted them and there were exactly 40 thieves. Each had a full saddlebag on his back, and together they approached a rock. The one who appeared to be the boss stepped forward and shouted, "Open, Sesame!" Immediately the rock opened, giving access to a cave. The thieves entered and the chief again shouted, "Shut up, Sesame!" And she closed down. When the thieves later came out, carrying the empty saddlebags, Ali Baba climbed down from the tree and went to the rock and shouted, "Open, Sesame!" And the rock opened. He saw a long gallery that led to a spacious room, lit by crevices high in the rock. He found himself in front of so many treasures kept, sacks full of coins, gold ingots, rugs, fine fabrics and precious stones scattered on the floor, that he understood they had been there for a long time. Ali Baba filled three sacks with gold ingots and coins, placed them on the donkeys, and went home. Ali Baba's wife thought he had joined a gang of bandits and began to lament. But Ali Baba told the woman where the gold came from and concluded, "This is how Allah wanted to reward our honest poverty." However, Kassem's wife, very envious, discovered that Ali Baba had found gold and forced her husband to question him. Ali Baba, being good, told his brother what had happened and how to enter the cave. And he said, "We are brothers. What belongs to me belongs to you. I want you to keep half of what I brought from the cave." Early the next day, Kassem set out for the forest with twelve mules, found the rock, spoke the magic words, and entered the cave. But seeing so much riches inside, he wanted to keep it all. As he could not take all the gold and jewels at once, he contented himself with filling as many sacks with gold coins as his mules could carry. However, to get out of the cave, he forgot the magic words and was trapped inside the cave. Around noon, the 40 thieves returned to the cliff and found Kassem scared and butchered him, not caring how he had gotten in. When the brother did not return, Ali Baba became worried and went to look for him in the forest. Upon opening the rock, he found his brother cut into six pieces. When he got home, he told what had happened to his sister-in-law and had the parts of his brother's body sewn together so he could bury him. When they returned to the cave and did not find the intruder's dismembered body, the thieves came to the conclusion that he had an accomplice and decided to kill him. One of them went into town, and found the man who had sewn Kassem's parts together, saying that he had been brought there blindfolded. And upon receiving two golden dinars, he decided to take it to Ali Baba's house. The thief marked the door of the house with chalk, but Manara, the family's servant, saw that that mark could only have been made by an enemy and decided to mark all the doors of the neighboring houses with a cross. And so they couldn't rob him. Seeing that only he could resolve the matter, the chief decided to disguise himself as an oil merchant. He had 39 clay jars made with a wide neck and a round bowl. He filled one with oil and told the thieves to hide in the other 38. He arrived at Ali Baba's house and asked him to stay. Ali Baba, who had an innate cordiality, offered the merchant dinner and a bed, and let him put his pitchers in the yard while the horses rested in the stable. That night, however, there was oil in the house, and Manara decided to get some of the jars. Only, instead of oil, her mug hit a thief on the head, who asked, "Is it time yet?" Manara, very astute, replied, "Not yet, boy. Let your boss rest." She rummaged through all the jars, and only the last one found oil. Manara then hatched a plan. She took the oil out of the jug, boiled it and poured it into each of the 38 jugs, killing the thieves. In the middle of the night, the chief went to call them and saw that they had been burned with boiling oil. He jumped over the wall and ran away. In the morning, Manara showed Ali Baba the jars with the burned thieves, and he was grateful for the servant's loyalty. But the chief of thieves had not given up. He returned disguised as the merchant Hassan, opened a shop next to Ali Baba's son, and befriended them. One night they invited him to a party, and Manara danced for them with such grace that she delighted everyone. He did the veil dance, the scarf dance and the staff dance, the dance of the Jews, the Greeks, the Ethiopians, the Persians and the Bedouins. Then he did the wavy sword dance, carrying a dagger that she brandished in the air and then hid between her breasts. Suddenly, she leapt at Hassan like a wild cat and plunged her dagger into the bandit's heart. The first reaction was one of astonishment. Ali Baba and her son did not understand why Manara had done this. But she replied: "Thanks to Allah who led my arm to save you from the chief of your enemies! This false merchant Hassan is the same false oil merchant and the leader of the 40 thieves who have long pursued you", and tore off his long beard falsehood with which he disguised himself. Ali Baba immediately recognized the chief of thieves he had seen from the top of the tree. Moved, he hugged Manara and asked her to marry his son so he could join the family. His loyalty and love transcended all known standards. Ali Baba waited a long time to return to the treasure cave and found that nothing had been taken there. All that wealth came to belong to him, his wife, sister-in-law, son and daughter-in-law. He used them sparingly and lived in peace with his family. So Allah transformed a simple woodcutter who owned three donkeys into the richest and most respected man in town.
Feb 14, 2015 - 7:30 p.m.
Décima terceira lenda: Marco Polo e A Princesa Azul
Houve um tempo em que a China foi governada por um grande imperador. Era o Khan de todos Khans, chamado Kublain, neto de Gêngis Khan. Ele tinha três esposas, todas muito cordatas e risonhas. Kublai Khan governava o império com mão de ferro e mandava matar todos os seus inimigos. Chegaram três estrangeiros ao seu reino, todos da mesma família de mercadores. Um chamava-se Matteo, outro Niccòlo e seu filho, o jovem Marco Polo. Este falava várias línguas e logo se tornou braço direito do imperador. Visitava todas as vilas e cidades, cobrava os impostos e contava ao Khan o que vira nos extremos de seus domínios. Passaram-se dezessete anos sem que os Polo deixassem a China. Um dia, o imperador recebeu um pedido para enviar uma princesa para se casar na Pérsia. Havia muitas lutas dentro do reino e a viagem teria de ser feita por mar. Como não houvesse ninguém de mais confiança, Marco Polo, seu pai e seu tio foram encarregados de levar Kokejin para se casar em Ormuz. Somente assim puderam ir embora. Partiram com uma frota de treze navios. Viajaram por três anos, enfrentando naufrágios, tempestades, piratas, incêndios e calmarias. Quando chegaram ao destino, o Khan da Pérsia, Argun, havia morrido, mas seu filho, Gazan, casou-se com a princesa. Ela lhes deu muitos presentes. Voltaram para a Itália cheios de ouro, joias e pedrarias. Ela não viveu muito tempo. Morreu de parto dois anos depois. Mas Marco Polo nunca a esqueceu. Ele a chamava de Princesa Azul, pois ela era tão linda quanto o céu. Antes de morrer, perguntaram-lhe se tudo o que escrevera sobre sua viagem era verdade. Ele respondeu: "Eu não lhes contei nem a metade do que vi".
10/02/2015 - 1h43
Thirteenth Legend: Marco Polo and The Blue Princess
There was a time when China was ruled by a great emperor. He was the Khan of all Khans, called Kublain, grandson of Genghis Khan. He had three wives, all very agreeable and laughing. Kublai Khan ruled the empire with an iron fist and had all his enemies killed. Three foreigners arrived in his kingdom, all from the same merchant family. One was called Matteo, another was Nicòlo and his son, the young Marco Polo. He spoke several languages and soon became the Emperor's right-hand man. He visited all the towns and cities, collected the taxes, and told the Khan what he had seen at the ends of his domains. Seventeen years passed without the Polos leaving China. One day, the emperor received a request to send a princess to marry in Persia. There were many fights within the kingdom and the journey would have to be made by sea. As there was no one more trustworthy, Marco Polo, his father and his uncle were tasked with taking Kokejin to marry in Ormuz. Only then could they leave. They left with a fleet of thirteen ships. They traveled for three years, facing shipwrecks, storms, pirates, fires and calms. By the time they reached their destination, the Khan of Persia, Argun, had died, but his son Gazan had married the princess. She gave them many gifts. They returned to Italy full of gold, jewels and gemstones. She didn't live long. She died in childbirth two years later. But Marco Polo never forgot it. He called her Princess Blue because she was as beautiful as the sky. Before she died, she was asked if everything she had written about her trip was true. He replied, "I didn't tell you even half of what I saw."
Feb 10, 2015 - 1:43 a.m.
Décima quarta lenda: O gato e o sapateiro
Há muitos e muitos anos, vivia, numa cidade muito distante, o sapateiro Kamir, com um gato persa de estimação, que lhe fazia companhia. Todos os dias, preparava o desjejum para ele e o felino, servindo-lhe um pouco de leite numa tigela. O gato tomava todo o leite e miava satisfeito. Kamir se punha a trabalhar, trocando as solas dos sapatos gastos e empoeirados de seus clientes, que vinham lhe trazer novos pares para consertar. Trabalhava de manhã até o anoitecer, quando recolhia seus apetrechos, pendurava as botas e sandálias, e ia se deitar com o gato ao seu lado. O bichano acompanhava o dono em tudo que fazia e prestava atenção no serviço que desempenhava diariamente. À noite, só com um candeeiro à cabeceira, o gato e o sapateiro desfrutavam de algum descanso, sonhando com coisas lindas que nunca viram. O pôr do sol em Halicarnasso, o amanhecer em Bagdá, as águas do Mar Morto, a chuva sobre os Jardins Suspensos da Babilônia, o Colosso de Rodes, a Pirâmide de Quéops, o Farol de Alexandria, o templo de Ártemis em Éfeso, a estátua de Zeus em Olímpia, a muralha da China... Sonhava de olhos abertos, tentando captar os contornos desses lugares, e imaginava-se singrando o Mediterrâneo como Ulisses voltando de Troia derrotada. O gato ronronava ao seu lado, como se de tudo soubesse e visse com ele essas paisagens. Adormeceram. Em sonhos, viajaram até o Egito e viram a Esfinge. Deram outro pulo e foram parar nas costas do Líbano. Embarcaram no navio junto com piratas e saquearam as riquezas de Creta. Viram o Minotauro no seu labirinto e Ariadne desfiando o novelo de lã para Teseu. Viram faraós e seus túmulos. Viram Alexandre, o Grande avançando sobre as dunas. Quantas coisas maravilhosas seus olhos nunca viram! E o gato, sempre ao seu lado, murmurando coisas ininteligíveis. O sonho não terminava. Mas quando a manhã foi surgindo entre as palmeiras altas de sua cidade, Kamir abriu os olhos e viu-se em seu pequeno quarto de sapateiro, entre almofadas coloridas e véus turquesa. O gato ainda dormia. E devagar levantou-se para retomar seu ofício. Um dia, pensou, irei a um desses lugares, e verei o que nunca vi. O gato pulou no seu colo, como se tivesse ouvido. E ele respondeu: "Não, não irei deixá-lo para trás. Irá comigo, aonde eu for". E com os olhos marejados, serviu-lhe mais um pouco de leite, como fazia todos os dias.
14/02/2015 - 00h44
Fourteenth Legend: The Cat and the Cobbler
Many, many years ago, in a very distant city, there lived the shoemaker Kamir, with a pet Persian cat, who kept him company. Every day, she made breakfast for him and the cat, pouring him some milk in a bowl. The cat drank all the milk and meowed with satisfaction. Kamir went to work, changing the soles of the worn and dusty shoes of his customers, who came to bring him new pairs to fix. He worked from morning until dusk, when he gathered his gear, hung up his boots and sandals, and went to bed with the cat beside him. The kitty accompanied the owner in everything he did and paid attention to the service he performed daily. At night, with only a lamp at their bedside, the cat and the cobbler enjoyed some rest, dreaming of beautiful things they had never seen. The sunset in Halicarnassus, the sunrise in Baghdad, the waters of the Dead Sea, the rain on the Hanging Gardens of Babylon, the Colossus of Rhodes, the Pyramid of Cheops, the Lighthouse of Alexandria, the Temple of Artemis in Ephesus, the statue of Zeus at Olympia, the wall of China... He dreamed with his eyes open, trying to capture the contours of these places, and he imagined himself sailing the Mediterranean like Odysseus returning from defeated Troy. The cat was purring beside him, as if he knew everything and saw these landscapes with him. fell asleep. In dreams, they traveled to Egypt and saw the Sphinx. They took another leap and ended up on the shores of Lebanon. They boarded the ship along with pirates and plundered Crete's riches. They saw the Minotaur in his labyrinth and Ariadne unraveling the ball of yarn for Theseus. They saw pharaohs and their tombs. They saw Alexander the Great advancing over the dunes. How many wonderful things his eyes have never seen! And the cat, always beside him, muttering unintelligible things. The dream didn't end. But as morning dawned among the tall palm trees of his city, Kamir opened his eyes and found himself in his small shoemaker's room, amid colorful pillows and turquoise veils. The cat was still sleeping. And slowly he rose to resume his craft. One day, he thought, I'll go to one of those places, and see what I've never seen. The cat jumped into his lap, as if he had heard. And he replied, "No, I will not leave him behind. He will go with me wherever I go." And with teary eyes, she poured him some more milk, as he did every day.
Feb 14, 2015 - 00:44 a.m.
Décima quinta lenda: O tapete mágico de Kabir
Há muito tempo, vivia um mercador de tapetes, chamado Kabir, na antiga cidade de Persépolis, fundada por Dario I, o Grande. Recebia tapetes de toda a Pérsia e das cidades dos reinos vizinhos, onde famosos tecelões teciam os tapetes com suas hábeis mãos. Um dia, recebeu um grande lote de tapetes de uma cidade muito distante, de um tecelão desconhecido. Estranhando a curiosa encomenda, resolveu abri-la assim que chegou. Entre os tapetes com finos tecidos, encontrou um que em nada se parecia com os demais. Era mais largo, com as margens bem desenhadas, com uma trama mais bem urdida que os outros. E resolveu abri-lo no meio da sala para poder admirá-lo. Assim que estendeu o tapete, ele se elevou a trinta centímetros do chão e ficou sobrevoando o solo, como se esperasse uma ordem. Kabir, sem saber o que fazer diante daquele tapete mágico, subiu nele, quase num impulso, para ver o que acontecia. Assim que se sentou no centro do tapete, ele saiu pela janela levando Kabir, assustado. Contornou a cidade, passando pelo palácio do rei, subiu a uma altura jamais alçada, e Kabir não sabia se gritava de alegria ou de desespero. Como faria para o tapete descer? O tapete seguia contra o vento e fazia círculos no ar, como se quisesse diverti-lo. Kabir, então, pediu que o levasse de volta para casa, mas, em vez disso, o tapete o levou à próxima cidade, Pasárgada, circulando-a também. Em seguida, foi até Susa e depois Babilônia, descortinando uma vista que Kabir jamais sonhara ver. Vendo que o tapete não o obedecia, negociou seu retorno. Se ele o levasse de volta, nunca o venderia, e ficaria com ele, como relíquia. O tapete deu meia-volta e retornou a Persépolis, entrando novamente pela janela. Kabir, de posse de seu tesouro, pois poderia ir com ele a qualquer parte, guardou-o no armário, e não contou o segredo a ninguém. Até que um dia, o príncipe veio à sua loja, perguntar-lhe se conhecia um tapete que voasse. Kabir disse que não, mas que ouvira falar de um tapete assim. O príncipe prometeu pagar-lhe mil dinares em ouro, se encontrasse o tapete mágico. Porém, pela promessa que havia feito, não poderia vendê-lo. Então, decidiu dar de presente o tapete ao príncipe, pois seria muito mais útil a ele. Quando Kabir chegou ao palácio carregando o tapete mágico, o príncipe alegrou-se. Mandou chamar imediatamente o rei e toda a corte para admirar o presente. E o tapete mais uma vez voou, levando o príncipe aonde ele quisesse ir. Como prometido, Kabir iria receber um baú de moedas de ouro, mas ele insistiu que não poderia vendê-lo. Era um presente para o príncipe, pois um tapete daqueles somente poderia pertencer a alguém da realeza. E foi embora sem levar o ouro. Há pessoas que não precisam de riquezas para serem felizes. Pois tudo tem seu preço, porém só algumas têm verdadeiro valor. Para Kabir, era apenas um tapete que voava, para o príncipe, um sinal de sua nobreza. Um presente digno de reis.
13/02/2015 - 17h45
Décima sétima lenda: Sheherazade e o Sultão
Há muito tempo, vivia um sultão em seu palácio cercado de servos e escravas que o serviam diariamente. Cada noite, tomava uma escrava como esposa e na manhã seguinte mandava matá-la. Tinha medo de ser traído ou rejeitado, por isso não dava chance a nenhuma mulher de sobreviver além da noite de núpcias. Um dia, entrou no seu harém uma escrava chamada Sheherazade, que tinha o dom de contar lindas histórias com que entretinha a todos. Na noite de seu casamento, em vez de se deitar com o sultão, começou a contar uma lenda de um reino distante. Descrevia com exatidão os homens e mulheres como se eles desfilassem para o sultão. Ao amanhecer, mal acabara a lenda, começou a contar outra, que deixou para terminar na noite seguinte. O sultão, então, não mandou matá-la, porque queria ouvir o restante da história. E assim se passaram mil e uma noites e, a cada vez, Sheherazade contava uma lenda mais incrível que a anterior. Na milésima segunda noite, quando Sheherazade concluiu a última história sem iniciar outra imediatamente, o sultão olhou-a, espantado. Ela se levantou, beijou o chão diante dele e disse: "Ó sultão do tempo, eu sou, na verdade, tua escrava e contei durante mil e uma noites histórias e lendas antigas cheias de sabedoria de todas as gerações. Rogo pedir-te um favor". "Pede e serás atendida", respondeu o sultão. Sheherazade chamou as amas e ordenou: "Trazei-me os meninos". Elas obedeceram. Trouxeram diante do sultão seus três filhos ainda pequenos. Sheherazade colocou-os diante dele e disse: "Ó sultão do tempo, estes são teus filhos e o que peço é por eles. Não me mandes matar para que não fiquem órfãos e sejam criados por servas que não saberiam amá-los como mãe". Esse pedido comoveu o sultão às lágrimas. Ele apertou os filhos contra o peito e disse: "Ó minha amada, poupei-te a vida antes mesmo de me dares estes três filhos, por seres pura e leal. Que Alá seja testemunha de que tudo farei para afastar de ti qualquer mal ou sofrimento". Sheherazade beijou-lhe as mãos e os pés em gratidão e ficou imensamente feliz. E essa alegria reverberou por todo o palácio e transbordou por todo o reino. O sultão arrependeu-se por ter mandado matar tantas filhas de seus súditos. O vizir, pai de Sheherazade, foi vestido com um suntuoso traje na presença de toda a corte. Depois, mandou distribuir parte de sua fortuna entre os que ali estavam, além de órfãos, viúvas e necessitados. E viveu até o final de seus dias com prosperidade e alegria.
15/02/2015 - 4h28
Fifteenth Legend: The Magic Carpet of Kabir
Long ago, there lived a carpet merchant named Kabir in the ancient city of Persepolis, founded by Darius I the Great. He received rugs from all over Persia and from the cities of neighboring kingdoms, where famous weavers wove the rugs with their deft hands. One day, he received a large batch of rugs from a city far away from an unknown weaver. Finding the curious package strange, he decided to open it as soon as it arrived. Among the finely woven rugs, he found one that looked nothing like the others. It was wider, with well-designed edges, with a tighter weave than the others. And he decided to open it in the middle of the room so he could admire it. As soon as he spread the rug, he rose a foot off the ground and hovered above the ground, as if waiting for an order. Kabir, not knowing what to do in front of that magic carpet, climbed on it, almost on impulse, to see what was happening. As soon as he sat down in the center of the rug, he went out the window carrying Kabir, scared. He skirted the city, past the king's palace, climbed to a height never before seen, and Kabir did not know whether to cry out in joy or despair. How would you make the mat come down? The rug was moving against the wind and making circles in the air, as if he wanted to amuse him. Kabir then asked him to take him back home, but instead the rug took him to the next town, Pasargadae, circling it as well. Then he went to Susa and then to Babylon, opening up to a view that Kabir had never dreamed of seeing. Seeing that the rug did not obey him, he negotiated its return. If he took it back, he would never sell it, and keep it as a relic. The rug turned around and returned to Persepolis, entering through the window again. Kabir, in possession of his treasure, for he could go anywhere with it, kept it in the closet, and told no one the secret. Until one day, the prince came to his shop, asking him if he knew a carpet that could fly. Kabir said no, but that he had heard of such a rug. The prince promised to pay him a thousand dinars in gold if he found the magic carpet. However, because of the promise he had made, he could not sell it. So, he decided to give the rug to the prince as a gift, as it would be much more useful to him. When Kabir arrived at the palace carrying the magic carpet, the prince was overjoyed. He immediately sent for the king and the whole court to admire the gift. And the carpet once again flew, taking the prince wherever he wanted to go. As promised, Kabir would receive a chest of gold coins, but he insisted that he could not sell it. It was a gift for the prince, as such a rug could only belong to a royal. And he left without taking the gold. There are people who don't need riches to be happy. For everything has its price, but only a few have true value. For Kabir it was just a flying carpet, for the prince a sign of his nobility. A gift fit for kings.
Feb 13, 2015 - 5:45 p.m.
Décima sexta lenda: A Terra e a Lua
Um dia, a Lua disse à Terra: "Eu vou amá-la, mesmo à distância, porque amor semeia amor por onde passa, e eu, de onde a vejo, só posso amá-la". Assim toda maré se move pelo desejo da Lua, e as águas, e rios, e mares transbordam quando ela surge. A Terra, comovida, respondeu: "Seu halo de luz me ilumina e, pelos seus raios, conheço o seu amor. Habite-me com seu fulgor, pois nada se compara à sua luz".
22/07/2013 - 22h55
Sixteenth Legend: The Earth and the Moon
One day, the Moon said to Earth: "I will love her, even from a distance, because love sows love wherever she goes, and I, from where I see her, can only love her". So every tide is moved by the Moon's desire, and the waters, and rivers, and seas overflow when it rises. The Earth, moved, replied: "Your halo of light illuminates me and, by its rays, I know your love. Inhabit me with your radiance, for nothing compares to your light".
July 22, 2013 - 10:55 p.m.
Décima sétima lenda: Sheherazade e o Sultão
Há muito tempo, vivia um sultão em seu palácio cercado de servos e escravas que o serviam diariamente. Cada noite, tomava uma escrava como esposa e na manhã seguinte mandava matá-la. Tinha medo de ser traído ou rejeitado, por isso não dava chance a nenhuma mulher de sobreviver além da noite de núpcias. Um dia, entrou no seu harém uma escrava chamada Sheherazade, que tinha o dom de contar lindas histórias com que entretinha a todos. Na noite de seu casamento, em vez de se deitar com o sultão, começou a contar uma lenda de um reino distante. Descrevia com exatidão os homens e mulheres como se eles desfilassem para o sultão. Ao amanhecer, mal acabara a lenda, começou a contar outra, que deixou para terminar na noite seguinte. O sultão, então, não mandou matá-la, porque queria ouvir o restante da história. E assim se passaram mil e uma noites e, a cada vez, Sheherazade contava uma lenda mais incrível que a anterior. Na milésima segunda noite, quando Sheherazade concluiu a última história sem iniciar outra imediatamente, o sultão olhou-a, espantado. Ela se levantou, beijou o chão diante dele e disse: "Ó sultão do tempo, eu sou, na verdade, tua escrava e contei durante mil e uma noites histórias e lendas antigas cheias de sabedoria de todas as gerações. Rogo pedir-te um favor". "Pede e serás atendida", respondeu o sultão. Sheherazade chamou as amas e ordenou: "Trazei-me os meninos". Elas obedeceram. Trouxeram diante do sultão seus três filhos ainda pequenos. Sheherazade colocou-os diante dele e disse: "Ó sultão do tempo, estes são teus filhos e o que peço é por eles. Não me mandes matar para que não fiquem órfãos e sejam criados por servas que não saberiam amá-los como mãe". Esse pedido comoveu o sultão às lágrimas. Ele apertou os filhos contra o peito e disse: "Ó minha amada, poupei-te a vida antes mesmo de me dares estes três filhos, por seres pura e leal. Que Alá seja testemunha de que tudo farei para afastar de ti qualquer mal ou sofrimento". Sheherazade beijou-lhe as mãos e os pés em gratidão e ficou imensamente feliz. E essa alegria reverberou por todo o palácio e transbordou por todo o reino. O sultão arrependeu-se por ter mandado matar tantas filhas de seus súditos. O vizir, pai de Sheherazade, foi vestido com um suntuoso traje na presença de toda a corte. Depois, mandou distribuir parte de sua fortuna entre os que ali estavam, além de órfãos, viúvas e necessitados. E viveu até o final de seus dias com prosperidade e alegria.
15/02/2015 - 4h28
Seventeenth Legend: Sheherazade and the Sultan
A long time ago, a sultan lived in his palace surrounded by servants and slaves who served him daily. Each night he took a slave as his wife and the next morning he had her killed. He was afraid of being betrayed or rejected, so he didn't give any woman a chance to survive beyond their wedding night. One day, a slave named Sheherazade entered her harem, who had the gift of telling beautiful stories with which she entertained everyone. On her wedding night, instead of sleeping with the sultan, she began to tell a legend of a faraway kingdom. She accurately described the men and women as if they were parading for the sultan. At dawn, as soon as the legend was over, she began to tell another, which she left to finish the following night. The sultan then did not have her killed, because he wanted to hear the rest of the story. And so a thousand and one nights passed, and each time Sheherazade told a legend more incredible than the last. On the thousand-second night, when Sheherazade concluded the last story without immediately starting another, the sultan looked at her in amazement. She got up, kissed the ground before him, and said: "O sultan of time, I am indeed your slave, and I have told you for a thousand and one nights ancient stories and legends full of wisdom from all generations. favor". "Ask and you will be answered," replied the sultan. Sheherazade called the nurses and ordered: "Bring me the children." They obeyed. They brought their three young children before the Sultan. Sheherazade placed them before him and said: "O sultan of time, these are your children and what I ask is for them. . This request moved the sultan to tears. He pressed his children to his chest and said: "O my beloved, I spared your life even before you gave me these three children, because you are pure and loyal. May Allah be your witness that I will do everything to keep from you any evil or Suffering". Sheherazade kissed his hands and feet in gratitude and was immensely happy. And that joy reverberated throughout the palace and overflowed throughout the kingdom. The sultan regretted having had so many of his subjects' daughters killed. The vizier, father of Sheherazade, was dressed in sumptuous attire in the presence of the entire court. Then he ordered part of his fortune to be distributed among those who were there, as well as orphans, widows and the needy. And he lived to the end of his days in prosperity and joy.
Feb 15, 2015 - 4:28 am